Dramáticos relatos de pacientes de doenças de raras

Pacientes portadores de doenças raras têm morrido sem assistência, por descumprimento de decisões judiciais por parte do Ministério da Saúde, disse Patrick Dornelles Pires, portador de Mucopolissacaridose tipo IV-A, em depoimento na audiência pública sobre judicialização da saúde, coordenada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesta segunda-feira (11/12). “Eles suspenderam a compra de medicamentos que salvam vidas! Estão economizando para que? Para sobrar mais nas malas? Isso vai custar nossas vidas” afirmou Patrick Dornelles Pires. A audiência foi conduzida pelo conselheiro Arnaldo Hossepian, supervisor do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde. Roleta Russa Ao lado de seu pai, Patrick, que lidera o Movimento Minha Vida Não Tem Preço, se disse temeroso em relação à continuidade de seu tratamento. “O sentimento é de revolta pelo desamparo, pela frieza, pela falta de humanidade e Justiça em nossas vidas. Além do fardo da própria doença, nos condenaram a sermos apenas números. Estão fazendo uma roleta russa! Escolhendo quem pode morrer! Dirão que morremos em decorrência da doença, mas é mentira. Morreremos porque quem deveria comprar a medicação não comprou; não cumpriu as decisões judiciais”, disse. Patrick é um dos 13 milhões de cidadãos brasileiros portadores de doenças raras que, assim como boa parte dos demais, estão sem tomar medicamentos, suspensos por decisão governamental. A interrupção dos medicamentos, no caso de Patrick, pode ser fatal. “O Ministério da Saúde parou de comprar o medicamento, mesmo tendo sido comprovada a sua eficácia, inclusive pela Anvisa. É um medicamento fundamental, que segura os sintomas piores da doença. Sem ele, a criança não passa dos 10 anos”, diz Ewerton Pires, pai de Patrick, que chegou aos 20 com ajuda do tratamento. O rapaz, que está indo para o 2º semestre de Direito (ele alcançou a 1ª colocação no vestibular no ano passado), já começa a sentir a falta do medicamento importado que suspende as consequências da doença. Atualmente, além de problemas respiratórios, está começando a apresentar surdez. O tratamento, diz o pai, é caro. “Não há possibilidade de ser custeado de maneira privada. São cerca de 1,5 milhão por ano. Será que, se tivessem um filho nessa situação, as autoridades brasileiras também não iriam entrar na Justiça para buscar ajuda?”. Patrick revelou que, em outra audiência pública sobre o assunto, sugeriu ao presidente da República que colocasse no Ministério da Saúde alguém que se importasse com a vida das pessoas. “Não fui atendido. Fomos deixados para trás. Se tivéssemos alternativa não recorreríamos ao Judiciário para poder viver. Mas a vida é um direito. Ninguém pode deixar seus entes queridos abandonados, para morrerem”, disse Patrick. Outros cidadãos expuseram na audiência pública suas opiniões e experiências em relação à dificuldade no acesso a tratamento e medicação pela rede pública de saúde, principalmente nos casos de doenças raras, em que há utilização dos chamados medicamentos órfãos (voltados para esses tipos específicos de doenças, cuja produção, segundo os familiares de pacientes, deixou de ser “economicamente interessante” para os fabricantes), medicina baseada em evidência, entre outros temas. Último recurso A servidora Roberta Gomes de Lucena, mãe de hemofílico e representante da Associação dos Voluntários, Pesquisadores e Portadores de Coagulopatias (AJUDE-C) ressaltou que, no tratamento dos hemofílicos, a judicialização tem sido “o último recurso”. O geneticista Salmo Raskin, representante da Associação Brasileira de Assitência à Mucoviscidose (Fibrose Cística) – ABRAM, ponderou que, se a sociedade pretende ser justa, não pode deixar de tratar as doenças raras. “Ninguém escolhe ter uma doença. E há no Brasil 13 milhões de pessoas nessa situação”, disse. O geneticista também afirmou que, em todo o mundo, os medicamentos órfãos estão sendo analisados por multicritérios. Entre as possibilidades testadas em outros países está a chamada autorização condicional de comercialização de medicamentos em fase 4 de testes clínicos. “É preciso fazer um balanço entre o risco e o benefício desses medicamentos, sem abrir mão da segurança, mas colocando a vida em primeiro lugar. As doenças raras progridem rápido”, disse Raskin. Governo não libera verbas A presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM), Carolina Fischinger Moura de Souza, falou sobre a necessidade de investimento na pesquisa de doenças raras. “Está havendo uma total falta de ação governamental; os estudos estão parados, por falta de verba. Se não nos planejarmos, a situação irá piorar. Não gosto de fazer um laudo pedindo latas de leite, mas se essa ação não é cumprida, essa pessoa vai voltar para a rede pública precisando fazer um transplante de fígado, que custará muito mais ao país”, comparou. Pesquisador de doenças raras pela Fundação Oswaldo Cruz, Cláudio Cordovil, lembrou que 80% das doenças raras são genéticas, ou seja, o paciente nada fez para atingir essa situação. E ressaltou que a medicina baseada em evidências foi criada para ser adotada em doenças comuns, não se aplica a doentes raros. Faltam medicamentos e acesso a tratamentos persos A representante da Associação dos Falcêmicos de Tocantins, Velma de Souza Santos Inácio, elencou vários casos em que a falta de medicamento e tratamento está causando aumento no sofrimento das pessoas com a doença falciforme. “Muita gente no país não está conseguindo acesso à saúde; coisas básicas, como uma ultrassonografia abdominal”, disse. “A vida não tem preço. Somos todos raros” Regina Bandeira Agência CNJ de Notícias
12/12/2017 (00:00)
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